Robô dando aula de probabilistica

A indústria de tecnologia foi construída sobre uma base sólida e previsível: o software determinístico. Em um sistema clássico, cada ação do usuário (input x) gera um resultado esperado (output y). Clicar em “enviar” manda a mensagem; clicar em “comprar” finaliza o pedido. Métricas como SLOs (Service Level Objectives) e funis de conversão foram criadas para otimizar a confiabilidade e a eficiência desse mapeamento.

No entanto, a ascensão da Inteligência Artificial generativa está quebrando esse paradigma. Estamos entrando no que o brilhante ensaio Building AI Products in the Probabilistic Era, de Gian Segato, define como a “Era Probabilística”. Este artigo é uma análise e expansão das ideias de Segato, aplicando-as ao nosso contexto na vanguarda da tecnologia jurídica.

Do Mundo Clássico ao Regime Quântico do Software

A principal mudança que a IA traz é a transformação de funções F(x) → y para F'(?). O que isso significa?

  1. Inputs de Ponta Aberta: Em vez de um conjunto limitado de ações, os usuários podem pedir “qualquer coisa”. O espaço de entrada torna-se, para todos os efeitos, infinito.
  2. Outputs Estocásticos: A resposta do modelo não é um resultado único e garantido, mas uma amostra de uma distribuição de probabilidades. O mesmo prompt pode gerar resultados diferentes, e isso é uma característica fundamental, não um defeito.

Essa nova realidade torna os antigos manuais obsoletos. Tentar forçar um modelo de IA a ter 100% de confiabilidade, como em um software tradicional, significa “nerfar” sua capacidade, limitando sua inteligência e flexibilidade. O objetivo não é mais a perfeição, mas o gerenciamento da incerteza.

A Transição do Engenheiro para o Cientista

Construir produtos na era probabilística exige uma mudança de mentalidade: da engenharia para o empirismo.

  • Inteligência Mínima Viável (MVI): Em vez de buscar a perfeição, as equipes devem definir o limiar de qualidade mínimo que seja útil e aceito pelo mercado, sem sacrificar a capacidade de generalização do modelo.
  • A Hipótese da Reconstrução: Cada novo modelo de IA (como a transição do GPT-4 para o GPT-5) pode invalidar todas as premissas anteriores. A disposição para reconstruir o sistema do zero não é um sinal de fracasso, mas uma adaptação necessária às novas capacidades. Ser empiricista é aceitar que “eu não sei” é o ponto de partida.

Esses modelos não são “projetados” no sentido clássico; eles são descobertos. Suas capacidades emergem do treinamento em grandes volumes de dados e nem mesmo seus criadores conseguem prever todos os seus comportamentos.

Dados como o Novo Sistema Operacional da Empresa

Se o comportamento do produto é incerto e emergente, como medimos o sucesso? A resposta, como aponta Segato, está nos dados — mas não da forma como estamos acostumados.

Os funis de conversão tradicionais perdem o sentido. Um usuário não está mais seguindo um caminho pré-definido. Em vez disso, ele está explorando um campo de possibilidades, compondo “trajetórias”. A análise precisa mudar de foco:

  • De Funis para Trajetórias: Em vez de medir quantos usuários completaram a Ação A, passamos a analisar os caminhos que eles percorrem. Eles estão obtendo sucesso em suas tarefas? Estão frustrados? Estão descobrindo novos usos para a ferramenta que nem nós previmos?
  • Classificação de Intenções: Usar modelos menores para classificar as solicitações dos usuários permite segmentar o uso e entender o que diferentes grupos estão tentando alcançar. Por exemplo, no contexto da ProcStudio IA, podemos diferenciar um usuário que está elaborando um contrato de locação de um que está redigindo uma petição trabalhista.
  • Quebra de Silos: Essa visão baseada em dados precisa ser o idioma compartilhado por toda a organização. Marketing, produto, engenharia e finanças devem operar a partir da mesma fonte de verdade. O custo por token de um usuário que cria jogos é diferente daquele que gera relatórios e essa análise, que emerge do conteúdo das interações, impacta desde a aquisição de clientes até a projeção de margens.

O Impacto na Tecnologia Jurídica e na ProcStudio

Na ProcStudio e ProcStudio IA, vivemos essa transição diariamente. A criação de um documento jurídico ou a análise de um processo não é uma função determinística com uma única resposta correta. É uma tarefa que exige nuance, interpretação e adaptação ao contexto.

Atualmente temos as duas abordagens na geração de documentos. Uma estruturada e seguindo padrões de templates substituíveis pelas variáveis do usuário e outra totalmente livre para permitir a criação pela Inteligência Artificial.

Nossa missão de democratizar o acesso ao conhecimento jurídico no Brasil e nos Estados Unidos seria impossível no paradigma antigo. As ferramentas que desenvolvemos são projetadas para navegar na complexidade probabilística:

A era probabilística não é apenas um hype tecnológico. É uma mudança fundamental na ontologia do software. Empresas que abraçarem a incerteza, adotarem uma abordagem científica e usarem dados para mapear trajetórias complexas irão definir a próxima década. Aquelas que tentarem encaixar funções de onda em planilhas determinísticas ficarão para trás, questionando por que seus painéis não capturam mais a magia de seus produtos.

Bem-vindo à Era Probabilística.


Sobre o Autor

Bruno Pellizzetti, CEO da ProcStduio e ProcStudio IA, é um advogado previdenciário com mais de 15 anos de experiência no mundo jurídico e nos últimos anos tem se especializado em tecnologia e inteligência artificial. O responsável para implantação de soluções tecnológicas em processos jurídicos nas empresas com o objetivo de democratizar o acesso ao conhecimento jurídico para todos e aumentar a eficiência e precisão das equipes jurídicas.