advogado e radiolosgista

Por que a IA jamais substituirá advogados: lições da radiologia para o direito brasileiro

Em 2016, Geoffrey Hinton previu o fim dos radiologistas. “É óbvio que em cinco anos o deep learning será melhor que radiologistas”, declarou o pioneiro da IA. “Deveríamos parar de treinar radiologistas agora mesmo.”

Nove anos depois, o oposto aconteceu: há mais radiologistas empregados do que nunca, ganhando 48% mais que em 2015. Este paradoxo, documentado por Deena Mousa em seu fascinante artigo para Works in Progress, oferece lições cruciais para advogados brasileiros enfrentando previsões similares.

O paradoxo central: quando a IA deveria substituir mas apenas multiplica

No artigo original, Mousa revela dados surpreendentes: apenas 48% dos radiologistas americanos usam IA regularmente. Entre os que usam, a tecnologia é aplicada em apenas 10% dos casos. Mais intrigante ainda: verificar os outputs da IA frequentemente toma tanto tempo que elimina qualquer ganho de eficiência.

No direito brasileiro, vemos padrão idêntico. O TJSC multou advogado que apresentou jurisprudências completamente inventadas pelo ChatGPT. O TSE aplicou multa de R$ 2.400 em caso similar. Um juiz do TRF1 incluiu 8 precedentes fictícios do STJ em decisão. A verificação tornou-se tão trabalhosa que, como descobriu o escritório americano Paul Weiss após 18 meses testando IA, “qualquer ganho de eficiência é difícil de medir.”

Três barreiras estruturais que protegem profissões complexas

1. A muralha regulatória e securitária

Mousa documenta como seguradoras médicas recusam cobrir diagnósticos autônomos de IA. Algumas apólices incluem “Exclusão Absoluta de IA” - cobertura aplica-se apenas a interpretações revisadas por médico licenciado.

No Brasil, a estrutura é ainda mais rígida. A Recomendação 001/24 da OAB proíbe delegação de julgamento profissional à IA sem supervisão. A Resolução CNJ 615/2025 veta sistemas que impeçam revisão humana. Enquanto a advocacia for atividade privativa com responsabilidade pessoal indelegável, IA permanecerá ferramenta auxiliar.

2. O abismo entre promessa e realidade

O artigo original cita estudos da Stanford mostrando que as melhores IAs jurídicas têm taxa de erro entre 17-34%, mesmo usando RAG (Retrieval-Augmented Generation). No contexto brasileiro, o problema amplifica: modelos treinados em inglês e common law não compreendem nuances do direito civil brasileiro, português jurídico técnico, ou complexidade de um sistema com legislação federal, estadual e municipal em constante mudança.

3. Trabalho é mais que análise de padrões

Mousa revela que radiologistas dedicam apenas 36,4% do tempo à interpretação de imagens. O restante envolve comunicação, ensino, procedimentos - tarefas profundamente humanas.

Advogados brasileiros seguem proporção similar. Negociação requer leitura de sinais não-verbais. Aconselhamento sintetiza lei, negócios e ética. Estratégia considera apetite de risco do cliente. IA processa volume; humanos fornecem sabedoria contextual.

O caso Therac-25: por que supervisão humana é vital

O artigo menciona paralelo crucial: a máquina Therac-25 que, entre 1985-1987, administrou doses letais de radiação por confiar demais em automação. Pacientes receberam 25.000 rads em vez de 180 prescritos. A “solução temporária”? Arrancar uma tecla do teclado e cobrir contatos com fita isolante.

No direito brasileiro, vemos ecos menos letais mas igualmente instrutivos: juízes produzindo 969 sentenças/mês com IA (média normal: 80), advogados apresentando dezenas de jurisprudências fantasmas. O viés de automação - tendência a confiar cegamente em sistemas aparentemente autoritativos - é real e perigoso.

O paradoxo de Jevons: mais eficiência = mais demanda

Aqui está a virada: quando tecnologia torna serviço mais eficiente, demanda aumenta em vez de emprego diminuir.

Na radiologia, digitalização aumentou produtividade 27-98%, mas volume de exames cresceu 60% entre 2000-2008. Nenhum radiologista foi demitido. A profissão ficou mais ocupada.

No Brasil, o mercado legal tech cresceu 3.000% (2017-2022), de 20 para 600+ empresas. Grandes escritórios reportam lucros recordes. A eLaw atende 200 multinacionais com 8 agentes de IA, mas isso não eliminou advogados - liberou-os de tarefas repetitivas para trabalho estratégico de maior valor.

A pergunta certa para advogados brasileiros

Como conclui Mousa: “Para já, o paradoxo se mantém.” Profissões de conhecimento resistem à automação porque sua essência não é encontrar padrões, mas aplicar julgamento contextual único.

66% dos tribunais brasileiros já usam IA. O STF tem VICTOR (analisa recursos em 5 segundos vs. 44 minutos humanos). Mas VICTOR não julga - identifica temas. A decisão final permanece inquestionavelmente humana.

A pergunta não é se IA substituirá advogados. A resposta é estruturalmente não. A pergunta é: que tipo de advogado você será na era da IA?

Aquele que delega pensamento a máquinas e colhe sanções? Ou aquele que usa ferramentas sob supervisão sábia, liberando tempo para o trabalho insubstituível de servir clientes com excelência humana?

A escolha, diferente da IA, é sua.


Para discussão: Como você equilibra uso de IA e desenvolvimento de habilidades jurídicas fundamentais? Compartilhe experiências nos comentários.


Referências

Artigo Principal:

Fontes de Apoio Mencionadas:

Casos Brasileiros e Regulamentação:

Mercado Legal Tech Brasileiro:


Sobre o Autor

Bruno Pellizzetti, CEO da ProcStudio e ProcStudio IA, é um advogado previdenciário com mais de 15 anos de experiência no mundo jurídico e nos últimos anos tem se especializado em tecnologia e inteligência artificial. O responsável para implantação de soluções tecnológicas em processos jurídicos nas empresas com o objetivo de democratizar o acesso ao conhecimento jurídico para todos e aumentar a eficiência e precisão das equipes jurídicas.