vans de reconhecimento facial

A Dupla Face da Lei: Incompetência Policial e a Nova Era da Vigilância no Reino Unido

O Reino Unido se encontra em uma encruzilhada crítica. De um lado, uma onda de escândalos abala a confiança do público na polícia britânica, com casos de incompetência, má conduta sexual e falhas sistêmicas vindo à tona. Do outro, o governo anuncia a expansão de uma tecnologia de vigilância poderosa e controversa: vans de reconhecimento facial. A justaposição desses dois desenvolvimentos levanta questões urgentes sobre poder, responsabilidade e o futuro da segurança pública.

Uma Crise de Confiança: A Polícia Britânica Sob Escrutínio

Agosto de 2025 foi um mês sombrio para a reputação da polícia britânica. Uma série de revelações expôs uma cultura de impunidade e incompetência que parece permear várias forças policiais. Em Cardiff, um policial enfrenta uma audiência por má conduta grave pela morte de dois adolescentes em um acidente com e-bike. Na região de Thames Valley, 39 policiais e funcionários foram demitidos por má conduta sexual, um número que aponta para um problema institucional profundo. A Scotland Yard, a maior força policial do país, não fica atrás, com um de seus policiais condenado por estupro e agressão sexual de uma criança e cinco detetives presos em um escândalo de acobertamento de agressão sexual, descrito como o “pior desde Wayne Couzens”.

Além dos crimes individuais, há evidências de falhas sistêmicas. Um relatório recente revelou que as forças policiais não registraram mais de 285.000 crimes no ano passado, incluindo ataques violentos. Outro relatório apontou “lacunas” no apoio policial às vítimas de perseguição. Esses não são incidentes isolados, mas sim um padrão de incompetência que mina a confiança do público e a eficácia da aplicação da lei.

A Solução Tecnológica? Vans de Reconhecimento Facial

Em meio a essa crise de confiança, o governo britânico aposta na tecnologia como solução. Dez vans equipadas com tecnologia de reconhecimento facial ao vivo (LFR) serão implantadas em sete forças policiais na Inglaterra. O objetivo, segundo a Secretária do Interior, Yvette Cooper, é identificar “infratores sexuais ou pessoas procuradas pelos crimes mais graves”. A Polícia Metropolitana de Londres já credita à tecnologia 580 prisões em 12 meses por crimes como estupro e violência doméstica.

No entanto, a expansão do LFR é recebida com forte oposição de grupos de direitos humanos. A Anistia Internacional do Reino Unido pede o cancelamento imediato dos planos, argumentando que a tecnologia é “perigosa e discriminatória”, especialmente contra comunidades de cor, onde é sabidamente menos precisa. A Liberty, uma organização de liberdades civis, critica a implantação da tecnologia antes da existência de um marco legal para proteger os cidadãos. Em Gales do Sul, mais de 1,6 milhão de pessoas já tiveram seus rostos escaneados, a maioria em dias de jogos de futebol.

O governo, por sua vez, garante que a tecnologia será usada de forma direcionada, com base em “inteligência específica” e que cada correspondência será verificada por um policial treinado. Promete também uma consulta pública para definir as regras de uso da tecnologia. No entanto, a promessa de salvaguardas soa vazia para muitos, diante do histórico recente da polícia.

A Tempestade Perfeita: Vigilância em Massa nas Mãos de uma Polícia Falha

A combinação de uma força policial marcada por escândalos de incompetência e má conduta com uma tecnologia de vigilância em massa como o reconhecimento facial é uma receita para o desastre. Como se pode confiar que uma instituição que falha em registrar crimes, que acoberta agressões sexuais, e que tem um histórico de discriminação usará uma ferramenta tão poderosa de forma justa e responsável?

A questão não é se a tecnologia funciona, mas sim se a instituição que a empunha é digna de confiança. O risco de erros de identificação, de perseguição a minorias e de abuso de poder é imenso. Antes de entregar as chaves do panóptico digital à polícia, o Reino Unido precisa de uma reforma profunda em suas forças de segurança, com mecanismos robustos de responsabilização e transparência. Sem isso, a promessa de segurança se transforma na ameaça de um estado de vigilância, onde os direitos dos cidadãos são a primeira vítima.


Fonte: Facial recognition vans to be rolled out across police forces in England