Uber cobra mais exatamente quando o usuário precisa do serviço

É justo cobrar mais exatamente quando o usuário mais precisa do serviço?

O tema ganhou novo fôlego após dois estudos acadêmicos recentes – um de Columbia Business School (EUA) e outro da Universidade de Oxford (Reino Unido) – que acusam a Uber de usar “códigos opacos” para ajustar preços e repasses de forma discriminatória, elevando tarifas de passageiros e reduzindo ganhos de motoristas de modo sistemático e secreto.

1. Panorama da investigação

Columbia Business School (Len Sherman, 2025)

  • Base: análise de 24.532 viagens de um motorista nos EUA e de mais de 2 milhões de solicitações.

  • Conclusão: com o modelo de upfront pricing (preço fechado antecipado), a participação da Uber no valor da corrida (“take rate”) passou de 32% para 42% entre 2022 e 2024.

Universidade de Oxford (2025)

  • Base: 1,5 milhão de corridas no Reino Unido após introdução do dynamic pricing em 2023.

  • Conclusão: take rate médio saltou de 25% para 29%, chegando a mais de 50% em picos de demanda.

Tabela resumida dos achados

Estudo Local Viagens analisadas Algoritmo Take rate inicial Take rate final
Columbia (Sherman) EUA 24.532 + 2 M solicitações Upfront pricing 32% 42%
Oxford Reino Unido 1,5 M viagens Dynamic pricing 25% 29–50%

2. A defesa da Uber

Em nota, a empresa afirma que:

  • Os preços são “transparentes e justos”.
  • Upfront pricing dá clareza ao passageiro e ao motorista.
  • Algoritmos não usam dados pessoais para discriminar preços.
  • Todo motorista recebe ao menos o salário mínimo nacional.

3. O paralelo com o Direito do Consumidor

No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) parte de alguns princípios fundamentais:

  • Vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I).
  • Informação adequada e clara sobre produtos e serviços (art. 6º, III).
  • Boa-fé objetiva e proibição de vantagem excessiva (art. 51, IV).
  • Transparência contratual e vedação de práticas abusivas (arts. 39 e 51).

Perguntas que emergem:

  • A forma “opaca” de determinar preços viola o dever de informação?
  • Cabe considerar as tarifas dinâmicas, cláusulas abusivas, por dificultar o planejamento econômico do usuário?
  • O consumidor e o motorista, em posição de hipossuficiência, têm condições de questionar variações geradas por um software fechado?

4. A lacuna regulatória e a urgência de um marco

Os casos Uber mostram que o CDC, concebido antes da era dos “big data” e da inteligência artificial, pode não alcançar plenamente:

  • Algoritmos complexos que segmentam oferta e demanda.
  • Dinâmicas de preço e remuneração ajustadas em tempo real com base em dados de comportamento.
  • Sistemas fechados sem auditoria externa capaz de verificar discriminação ou abusividade.

Tal contexto sugere a necessidade de:

  • Regulamentação específica sobre algoritmos de precificação.
  • Obrigatoriedade de relatórios públicos e auditorias independentes.
  • Normas de segurança e privacidade para uso de dados comportamentais.
  • Inclusão de cláusulas-tipo no CDC ou em lei especial sobre economia digital.

5. Conclusão

Cobrar “o que o mercado aguenta” pode até fazer sentido sob o ponto de vista da maximização de lucros, mas confronta-se diretamente com os princípios de transparência e equidade do Direito do Consumidor.

Quando o usuário – ou o motorista – não sabe nem por que, nem quanto, nem sob quais critérios paga ou recebe menos, abre-se um terreno perigoso para violações de direitos básicos. Está na hora de debatermos um novo marco regulatório que discipline o uso de algoritmos e proteja, de fato, a parte mais vulnerável nessa relação: quem precisa do serviço.


Fonte: Segundo estudo descobre que a Uber usou um algoritmo opaco para aumentar drasticamente os lucros